O tema “colesterol” tornou-se frequente em minha casa tinha eu cerca de 18 anos (e já lá vão 30 anos), depois de a minha mãe ter feito análises, que acusaram valores muito altos de colesterol (mais de 400 mg/dl, seguramente). Na sequência desses resultados eu e o meu irmão fizemos também análises, com resultados muito semelhantes.”
Começámos os três a tomar medicação e a ter cuidado com a alimentação, seguindo uma dieta pobre em gorduras saturadas, ainda que o meu irmão tenha sido sempre desleixado, quer com a medicação, quer com a dieta. Não valia a pena, era muito saudável, dizia ele…
O tempo foi passando, fazíamos análises de rotina, e enquanto eu e a minha mãe tínhamos os valores mais ou menos controlados, os do meu irmão continuavam altos.
Aos 60 anos a minha mãe começou a ter queixas de dor no peito e cansaço extremo após subir um ou dois lances de escadas, pelo que realizou exames que revelaram entupimento em três artérias coronárias. Foi operada ao coração para serem colocados três “by pass”.
Dez anos mais tarde foi sujeita a nova cirurgia cardíaca, em que foi colocada prótese por calcificação da válvula aórtica.
Desde então a sua saúde tornou-se frágil, com infeções respiratórias sucessivas, vindo a falecer aos 80 anos com uma endocardite.
O irmão e o pai da minha mãe já tinham falecido por doença cardíaca – enfarte fulminante- aos 60 e 80 anos, respetivamente.
Um ano antes de a minha mãe falecer, o meu irmão, aos 43 anos de idade, teve um enfarte de miocárdio fulminante enquanto jogava ténis. Ele nunca tinha tido qualquer queixa, qualquer sinal, não fumava, praticava desporto regularmente, mas o relatório da autópsia revelou aterosclerose generalizada moderada e grave, com calcificação das válvulas mitral e aórtica. Para além dos fatores de risco já apontados anteriormente (desleixo com a medicação e com a dieta, antecedentes familiares), ele tinha uma vida profissional muito intensa e stressante. Andava sempre a correr para múltiplos compromissos, a que chegava sempre atrasado.
Depois desta tragédia, eu fui submetida a uma bateria de exames- eletrocardiograma, ecocardiograma, prova de esforço, cintigrafia cardíaca e, finalmente, cateterismo. Estava tudo normal.
Quando a minha filha tinha cinco anos, apercebi-me da existência de xantomas (pequenas saliências de cor amarelada) na nádega e no joelho, semelhantes às que o meu irmão tinha na pálpebra. Como sabia que essas saliências consistiam em acumulações de gordura, alertei a pediatra para a conveniência de realizar análises ao colesterol. Os resultados acusaram um valor total superior a 500 mg/dl, com LDL igualmente muito alto. Foi de imediato encaminhada para o Serviço de Pediatria de Prevenção de Doenças Cardiovasculares no Hospital de Santa Maria, onde é seguida desde então.
Fizemos os quatro (eu, o meu marido, o meu filho e a minha filha) testes genéticos, e confirmou-se que eu e a minha filha somos heterozigóticas com mutação do gene LDL, enquanto o meu marido e filho não têm qualquer alteração. Provou-se assim aquilo que para nós já era uma evidência: transmissão genética desta mutação por via materna.
A minha filha começou a ser medicada desde então, tem extremo cuidado com a alimentação, e hoje, aos 17 anos, apresenta valores normais, tal como eu. Quer ser cirurgiã cardiotorácica.
O meu pesado historial familiar permitiu-me reter três lições:
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A hipercolesterolemia é uma doença silenciosa e, por isso, traiçoeira
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Há que manter uma atitude atenta e vigilante face a problemas cardíacos de familiares porque pode muito bem ser um indício de hipercolesterolemia familiar
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Uma vez diagnosticada a doença, cumprir rigorosamente a medicação e seguir uma dieta equilibrada.”